FATORES MODIFICANTES DA DOSE-RESPOSTA

Relação dose-resposta e fatores modificantes:
                                “Somente a dose correta diferencia o veneno do remédio." (PARACELSUS)
Acredita-se que, quanto maior a dose, maior e mais intensos (quanti e/ou qualitativamente) serão os efeitos e que deve existir uma condição de exposição que seja segura para a saúde humana, com exceção das substâncias mutagênicas.
Existem dois tipos de curvas dose-resposta:
1. Para efeitos que apresentam limiar de segurança (“threshold”): a curva geralmente tem a forma de uma curva sigmóide e baixas doses não são tóxicas, já que o organismo tem capacidade para biotransformar o agente tóxico, bem como reparar eventuais injúrias que tenham sido causadas. O ponto no qual a toxicidade começa a se manifestar é conhecido como limite de segurança (“threshold”).


 2. Para efeitos que não apresentam limiar de segurança (“threshold”): a curva é linear, pois se assume que qualquer dose produzirá um efeito deletério. Esse tipo de curva é usada para agentes mutagênicos.


 

É essencial lembrar que mais do que da dose administrada, a resposta é função da concentração do AT que interage com o receptor biológico; e que a concentração do AT no sítio de ação é dependente das duas primeiras fases da intoxicação. Exposição é a medida do contato entre o agente e a superfície corpórea do organismo e sua intensidade depende de fatores, tais como:

Via ou local de exposição

As principais vias de exposição, através das quais os agentes são introduzidos no organismo são:

            - via gastrintestinal (ingestão)

            - via pulmonar (inalação)

            - via cutânea (contato)

            Embora não tão importante para a Toxicologia como estas três, existe também a via parenteral. A via de introdução influi tanto na potência quanto na velocidade de aparecimento do efeito tóxico. A ordem decrescente de eficiência destas vias é: via endovenosa > pulmonar > intraperitoneal > sub-cutânea > intra muscular > intra-dérmica > oral, cutânea.

       A variação da dose resposta também influenciada pela distribuição do fármaco no organismo.  Normalmente a distribuição ocorre rapidamente e a velocidade e extensão desta, dependerá do fluxo sangüíneo, da velocidade de difusão nas interfaces sangue-tecido a qual é dependente do coeficiente de partição e do grau de ionização, da permeabilidade da membrana e da afinidade do tecido pelo composto. Esses fatores são agrupados em duas categorias, os fatores ligados a substancia e fatores ligados ao organismo.

 

FATORES LIGADOS A SUBSTÃNCIA:
  • Lipossolubilidade e grau de ionização-
  • Afinidade química do agente – durante a distribuição, o agente alcançará o seu sítio alvo, que é o órgão ou tecido onde exercerá sua ação tóxica, mas, poderá, também, se ligar a outros constituintes do organismo, concentrando-se em algumas partes do corpo. Em alguns casos, estes locais de maior concentração são também os sítios de ação e disto resulta efeitos altamente prejudiciais. É o caso do monóxido de carbono para o qual o sangue representa, tanto o local de concentração quanto o de ação tóxica. Mas pode ocorrer acumulo em alvos distintos do de ação, como por exemplo o chumbo que é armazenado nos ossos e atua nos tecidos moles. Este acúmulo do agente tóxico em outros locais que não o de ação, funciona como uma proteção ao organismo, uma vez que previne uma elevada concentração no sítio alvo. Os agentes tóxicos nos locais de concentração estão em equilíbrio com sua forma livre no sangue e, quando a concentração sangüínea diminui, o agente que está concentrado em outro tecido é liberado para a circulação e daí pode atingir o sítio de ação.
FATORES LIGADOS AO ORGANISMO:
  • Fluxo sangüíneo – quanto maior a irrigação de um órgão, maior será o contato do toxicante com o mesmo. Dessa forma, órgãos como o fígado, os rins e baço, que recebem cerca de ¾ do fluxo sangüíneo do organismo, tendem a acumular os agentes tóxicos. Nesse aspecto, os rins merecem destaque porque, embora representem menos de 1% do peso corporal, recebem de 20 a 25% do débito cardíaco.
  • Conteúdo de água ou lipídio de órgãos e tecidos – os agentes tóxicos se fixarão em órgãos ou tecidos de acordo com sua afinidade por esses conteúdos. Por exemplo, substâncias lipossolúveis como solventes orgânicos e compostos organomercuriais, terão preferência por tecidos ricos em gordura como o SNC e, nesse caso, os efeitos de suas ações tóxicas serão decorrentes dessa localização. Por outro lado, compostos inorgânicos ionizáveis e solúveis em água fixam-se,      preferencialmente, nos rins como, por exemplo, o mercúrio inorgânico, que lesa o parênquima desse órgão.
  • Integridade do órgão – a lesão de um órgão pode determinar a acumulação do toxicante. O mercúrio inorgânico, por exemplo,      tem afinidade pelo tecido renal, porém, danifica o néfron, o que pode causar oligúria ou anúria, o que dificulta sua eliminação e aumenta ainda mais sua deposição renal.
  • Competição entre toxicantes - as proteínas plasmáticas não possuem sítios específicos de ligação e duas ou mais substâncias que se ligam ao mesmo sítio protéico, irão competir entre si por esta ligação. Esta competição pode ocorrer entre dois ou mais xenobióticos ou entre xenobióticos e substratos endógenos. Como conseqüência ocorrerá um aumento na concentração livre de uma das substâncias e, portanto, o risco de intoxicação. Ex.: sulfonamidas e bilirrubina competem pelo mesmo sítio da albumina; a varfarina (anticoagulante) é geralmente deslocado pelo ácido acetil-salicílico.
  • Condições patológicas - algumas doenças alteram a conformação do sítio de ligação na proteína, outras alteram o pH do plasma e podem provocar a ionização do complexo agente-proteína e outras, ainda, modificam a quantidade de proteínas plasmáticas. Ex.: a síndrome nefrótica, que permite a eliminação da albumina através da urina, causando hipoalbuminemia.
  • Concentração do agente - quanto maior a concentração do fármaco no plasma, maior a ligação protéica. Ex.: fenitoína. Se a concentração deste anticonvulsivante for muito elevada no plasma a ligação protéica aumenta mais do que o esperado e a fração livre disponível para a distribuição e ação é pequena. Neste caso o efeito terapêutico pode não ser alcançado.
  • Concentração protéica - o aumento das proteínas plasmáticas resulta em maior ligação dos xenobióticos. Ex.: aumento de lipoproteína implica em maior ligação da imipramina.
  • pH - para alguns toxicantes o pH do plasma altera a ligação às proteínas. Ex.: a teofilina terá uma maior ligação às proteínas plasmáticas quando o pH do sangue está aumentado.
  • Idade - a concentração de algumas proteínas plasmáticas é alterada com a idade. Ex.: as crianças possuem quantidade de albumina menor do que o adulto. Conseqüentemente, os toxicantes que se ligam essencialmente à albumina estarão mais livres e serão mais rapidamente distribuídos, causando efeitos tóxicos mais severos, mesmo com doses não muito grandes.
Ligações celulares
Embora menos estudado que a ligação às proteínas plasmáticas, a ligação a outros tecidos exerce um papel muito importante na distribuição desigual dos agentes pelo organismo. A ligação de toxicantes a componentes teciduais poderá alterar significativamente a distribuição dos xenobióticos, já que a fração destes ligada aos tecidos será inclusive maior do que a ligada às proteínas plasmáticas. Sob o aspecto de ligação a xenobióticos, o tecido hepático e o renal têm um papel especial. Esses órgãos possuem elevada capacidade de se ligarem aos agentes químicos e apresentam as maiores concentrações destes (e também de substâncias endógenas), quando comparados com outros órgãos. Caso o paciente  apresente algum dano a esses órgãos a curva dose resposta pode ser modificada. 

Tecido adiposo
Como a lipossolubilidade é uma característica fundamental para o transporte por membranas, é lógico imaginar que os agentes tóxicos lipossolúveis, de uma maneira geral, poderão se concentrar no tecido adiposo. Os xenobióticos armazenam-se nesse local através da simples dissolução física nas gorduras neutras do tecido. 
Assim, um agente tóxico, com elevado coeficiente de partição óleo/água, pode ser armazenado no tecido adiposo em grande extensão e isto diminuirá a sua biodisponibilidade (concentração disponível para atingir o sítio alvo). O tecido adiposo constitui 50% do peso de um indivíduo obeso e 20% de um magro. Sendo o armazenamento um mecanismo de defesa, pode-se pensar que a toxicidade de uma agente químico será menor para a pessoa obesa como para uma pessoa magra. Mais real, no entanto, é pensar na possibilidade de um aumento súbito da concentração do agente tóxico no sangue e no sítio de ação, devido a uma rápida mobilização das gorduras.

Tecido ósseo
Um tecido relativamente inerte como o ósseo pode também servir como local de armazenamento de agentes químicos inorgânicos 
O armazenamento de xenobióticos no tecido ósseo poderá, ou não, provocar efeitos tóxicos no local. O chumbo não é nocivo para os ossos, mas o flúor pode provocar fluorose óssea e o estrôncio radioativo, osteossarcoma e outras neoplasias. 
Esse armazenamento não é irreversível. O agente tóxico pode ser liberado dos ossos por dissolução da hidroxiapatita pela atividade osteoclástica (destruição do tecido ósseo provocado pela ação dos osteoclastos, células do próprio tecido ósseo que têm tal função); aumento da atividade osteolítica (destruição do tecido ósseo provocada por substâncias químicas, enzimas, etc) pela ação do paratormônio, hormônio da paratireóide, que tem ação descalcificante óssea pois, se no lugar do cálcio o osso contiver um toxicante, este será deslocado para a corrente sangüínea, aumentando a sua concentração plasmática e por troca iônica.

Fatores que influem na absorção pelo TGI

            Além das propriedades físico-químicas dos AT, outros fatores poderão influir na absorção:

·      administração de EDTA: parece que este quelante altera a permeabilidade da membrana, por seqüestrar o cálcio presente na sua estrutura, facilitando assim, de maneira inespecífica, a absorção de ácidos, bases e substâncias neutras. Existe sempre entretanto, no caso da ingestão de minerais, a possibilidade do EDTA quelar o AT, o que resultaria em uma menor absorção do mesmo

·      conteúdo estomacal: a absorção será favorecida se o estômago estiver vazio, devido ao maior contato do AT com a mucosa.

·      secreções gastrintestinais, sua concentração enzimática, e sua acidez: estes sucos digestivos, seja por sua acidez iônica, seja por ação enzimática, podem provocar mudanças na atividade ou na estrutura química do agente, alterando assim a velocidade de absorção. Ex.: sabe-se que o pH estomacal das crianças não é tão ácido como o dos adultos. Isto implica em um desenvolvimento maior de microorganismos, principalmente Encherichia coli, microorganismo que reduz, no estômago, o nitrato à nitrito. Como as crianças possuem dietas ricas em nitratos, estes serão reduzidos a nitritos que são rapidamente absorvidos pela mucosa estomacal, causando, então, metemoglobinemia.

·      mobilidade intestinal: o aumento da mobilidade intestinal diminuirá o tempo de contato do agente tóxico com a mucosa e, consequentemente, a absorção neste local.

·      efeito de primeira passagem pelo fígado: as substâncias absorvidas no TGI entram na circulação porta e passam pelo fígado, podendo ser biotransformadas de maneira mais ou menos intensa. Através da secreção biliar serão excretadas no intestino, donde serão reabsorvidas ou excretadas pelas fezes. É o também chamado de ciclo entero-hepático. Este efeito pode ser responsável pela menor biodisponibilidade de algumas substâncias, quando estes são administradas por via oral.

            Alguns dos fatores que influem na absorção pelo TGI podem variar de  acordo com o sexo e, no sexo feminino, entre as gestantes e não gestantes. Este fato é importante na avaliação da intensidade de absorção de xenobióticos por essa via. A tabela 1 mostra as principais diferenças fisiológicas existentes entre homens e mulheres, gestantes e não gestantes, que podem influenciar a absorção pelo TGI.

 Tabela 1: Diferenças fisiológicas entre homens e mulheres que podem afetar a absorção de agentes tóxicos pelo TGI

Parâmetro

 

Diferença fisiológica

Diferença

na absorção

 

pH suco gástrico

 

 

gestante>mulher>homem

 

altera absorção oral

 

motilidade intestinal

 

 

< nas gestantes

 

> absorção

 

esvaziamento gástrico

 

 

prolongado nas gestantes

 

> absorção






Referências:

  - Leite, E. M. A; Amorim, L.C.A; Noções Básicas de Toxicologia; Depto. Análises clínicas e toxicológicas faculdade de farmácia Universidade Federal de Minas Gerais

- Vale,N. B; Princípios de Farmacodinâmica de Drogas Anestésicas; Rev Bras Anestesiol 1994; 44: 1: 13 - 23

 



 

 


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