Identificação do Arsênio em materiais biológicos



Os casos clínicos de intoxicação aguda por arsênio são devidos, em sua maioria, as tentativas de suicídio, quando seus sais inorgânicos, tais como os óxidos de arsênio, são ingeridos em doses elevadas. Os pacientes ficam com sinais de sangramento do trato gastrintestinal e graus variados de hipovolemia.
A intoxicação aguda por arsênio manifesta-se inicialmente por quadro de náusea, dor abdominal intensa, vômitos e diarréia, que pode ser profusa, em água de arroz (como na cólera) e tornar-se sanguinolenta com a evolução. Esses sintomas são precoces, ocorrendo alguns minutos ou poucas horas após ingestão.
Na realidade, o quadro clínico é bastante inespecífico, podendo ser causado por diversos outros fatores, tanto tóxicos e como infecciosos. Sendo assim, o médico deve estar atento à possibilidade de intoxicação por arsênio, a partir de detalhes da anamnese colhida junto ao paciente ou acompanhantes, da história psiquiátrica, das eventuais tentativas anteriores de suicídio e do acesso ao sal por parte do paciente (as profissões de químicos, farmacêuticos, técnicos de laboratório, facilitam acesso aos compostos de arsênio).
Contemporaneamente ao quadro gastrintestinal, ou algumas horas depois, efeitos cardiovasculares tornam-se mais evidentes, como taquicardia, sinais de hipovolemia, como hipotensão e oligúria, levando ao choque.

Em casos de ingestão recente, o exame radiológico simples de abdome mostra a presença de material radiopaco na luz intestinal, simulando resíduo de bário pós-exames contrastados.
A detecção e dosagem laboratorial de arsênio na urina confirmam definitivamente a intoxicação por arsênio ao encontrar concentrações elevadas, apesar de que concentrações baixas não descartam a relação causal, dependendo da hora da ingestão. Os valores de referência estão definidos como 50µg/L em dosagem de urina pontual, ou um total de 100µg em urina de 24h. Resultados não muito elevados, em quadros clínicos leves de pacientes que ingeriram frutos do mar algumas horas antes, devem ser interpretados com cautela. Em casos de arsenicismo (intoxicação crônica pelo metal), ou mesmo para fins médico-legais, a dosagem de arsênio no cabelo ou unhas é recomendado. Nos casos agudos, a toxicocinética do arsênio não justifica a realização de dosagem com essas matrizes.
A intoxicação aguda por ingestão de sais inorgânicos de arsênio deve sempre ser considerada grave a priori, com grande risco de morte, mesmo quando os sinais e sintomas ainda são leves. Ela deve ser tratada agressivamente desde o início, com reposição generosa de volume e uso de drogas vasoativas. A lavagem gástrica, com sonda calibrosa e grandes volumes de soro fisiológico, está indicada nesses casos. O carvão ativado é contra-indicado quando há suspeitas de corrosão da mucosa do trato gastrintestinal, ou se o paciente apresenta sangramento digestivo. O conteúdo da lavagem gástrica pode ser utilizado para dosagem de arsênio e confirmação diagnóstica. O início precoce da terapêutica quelante é fator determinante na sobrevivência desses pacientes, pois as medidas de controle do choque, da insuficiência renal aguda e das arritmias, podem ter seus efeitos comprometidos.
O tratamento quelante específico deve ser feito com o dimercaprol (BAL), nas doses de 3 a 5mg/kg, de 4 em 4 horas, por via intramuscular, até que níveis de arsênio na urina estejam abaixo de 50µg/L. O ácido 2,3-dimercatosuccínico (DMSA) pode ser dado, por via oral, como complementação ao tratamento com dimercaprol, quando esta via tornar-se viável durante evolução do quadro. Pouco se sabe sobre os efeitos do DMSA, quanto ao aumento ou diminuição da absorção do arsênio na luz intestinal. A dose é de 10mg/kg, de 8 em 8h, por 5 dias, seguida de 10mg/kg, de 12 em 12h, por mais 14 dias. O ácido dimercapto-1-propanol (DMPS) parece ter melhores efeitos no tratamento da intoxicação aguda por arsênio. Usado também por via oral, é análogo hidrossolúvel e derivado do BAL. Outra opção de tratamento, que complementa o tratamento parenteral com BAL, é o aporte de D-penicilamina por via oral. No entanto, seus efeitos colaterais, principalmente renais, podem contra-indicar seu uso em alguns casos. Hemodiálise pode ser necessária em caso de falência renal.

A ingestão crônica de arsênio inorgânico pode levar a quadros de cólicas, náuseas e diarréia crônica, também inespecíficos, que devem ser diferenciados de outras possíveis etiologias. Fraqueza, emagrecimento por perda de apetite e anemia, quadros de neuropatia periférica de predomínio sensitivo e sintomas de encefalopatia crônica podem ocorrer em trabalhadores expostos. Também aparecem sinais de hepatotoxicidade e alterações dermatológicas, como hiperqueratose palmar e plantar e lesões hipercrômicas, esses associados à história de exposição crônica, devem levar à dosagem de arsênio na urina para confirmar o diagnóstico.
Casos de tentativa de homicídio por contaminação de alimentos com sais de arsênio (o trióxido de arsênio é branco, inodoro e não tem gosto) podem fazer derivar o diagnóstico pela presença de sinais e sintomas inespecíficos sem história conhecida, ambiental ou ocupacional, de exposição crônica ao arsênio.
No arsenicismo, as unhas do paciente podem apresentar estrias transversais esbranquiçadas, sugerindo sofrimento da matriz da unha pela presença do arsênio (tais estrias podem ocorrer também na intoxicação por tálio e por mercúrio). Nesses casos, a exclusão de outros possíveis diagnósticos de neuropatias sensitivas, associadas ou não a hepatopatias, e/ou lesões de pele e sintomas gerais inespecíficos, pode levar à suspeita de envenenamento crônico por arsênio. A dosagem de arsênio no cabelo ou na unha, nesses casos, é de extremo auxílio no diagnóstico.

Arsênio. Disponível em: <http://ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mX.arse.htm#sobe>. Acessado em 06 de novembro de 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário